Da Paisagem do Interior à Bandeira Nordestina: a invenção da xiloliguagem.

Gilberto Braga de Mello

 

A Edições Bagaço me encomenda breve apresentação de Bandeira Nordestina, mas a verdade é que não preciso fazer muito esforço pra vender o peixe de Jessier: se o leitor procura entretenimento, diversão, um deforete dos assuntos carregados — não pode comprar livro melhor. Com sua poesia proseada e com sua prosa versejada, o Quirino de Itabaiana desafia até mau humor de delegado municipal. Ninguém ouve ou lê a poesia e o proseado de Jessier Quirino sem rir, sem se divertir, sem gozar e aprender coisas boas da vida, do lugar e do povo do Nordeste.

Jessier Quirino já é “case”, ou causo — como certamente ele vai preferir. A história do arquiteto bem sucedido que fica famoso escrevendo e recitando poesia popular é um exemplo raro de sucesso de um artista por graça e mérito da sua arte, ainda mais se sua arte é a poesia. Mais ainda se sua poesia é matuta.

No entanto, a obra de Jessier Quirino vai além do sucesso e da diversão que proporciona em recitais e leituras. Na verdade ele renovou o que pegamos por vício chamar de poesia popular nordestina. Seus versos não têm uma métrica rígida, ou têm uma métrica própria. Sua poesia não teme ir às raias da prosa, ou sua prosa de tão musical vira poesia. Seu vocabulário resgata termos arcaicos com tanta naturalidade que os fazem soar contemporâneos, assim como termos moderníssimos são incorporados à fala matuta com um sem preconceitos que os fariam naturais até na boca da mais antiga bisavó sertaneja.

A poesia de Jessier Quirino é como um retrato em branco e preto. Não! Na verdade a poesia de Jessier Quirino é como uma xilogravura que, na simplicidade do preto no branco, guarda a mágica de fazer cada um enxergar as cores mais bonitas colorindo a cena retratada à perfeição do seu gosto.

Naturalmente o autor carrega a boa influência da literatura de cordel, mas já dissemos que ele tem o mérito de renovar a poesia popular. Por isto insisto no paralelo da comparação da sua poesia com a xilogravura, arte produzida com talhos e ranhuras na carne de boa madeira, processo rústico de resultado sensível, como a criação de Jessier, talhada na riqueza despojada do português sertanejo.

Do seu primeiro livro, Paisagem do Interior, ao CD Bandeira Nordestina, a evolução da poesia de Jessier é marcada pela consolidação da beleza de um estilo com força para resgatar tradicionais figuras literárias da arte popular nordestina. Isto sem se perder na vulgarização do saber do povo — pecado muito comum entre vates de academia que se arriscam a falar a língua de Patativa do Assaré, de Pinto do Monteiro, de Luiz Gonzaga e do primo de Mané Cabelim.

Por outra, afirmo que Jessier presta ao português sertanejo do Nordeste, apenasmente um serviço da monta da obra de José Cândido de Carvalho, que salvou o País de esquecer de um falar brasileiro que acabaria no horário nobre da televisão pela boca de Odorico Paraguassú, criatura do teatrólogo e novelista Dias Gomes.

Era isto que eu queria dizer: Jessier inventou a xiloliguagem, uma literatura capaz de retratar a riqueza cultural nordestina sem perder o traço fundamental da simplicidade do seu povo.

 

Gilberto Braga de Mello – Jornalista e escritor pernambucano radicado no Acre, a mais bela e conservada floresta da Amazônia brasileira.