ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL CORREIO DA PARAÍBA
Jornalista Antonio Vicente
—Pra início de conversa, gostaria que você pincelasse os traços da sua trajetória artística, mostrando sua base de inspiração e seis tipos de personagens.
JQ – Sempre fui de lamber os beiços pelos causos matutos, pela música, poesia e, apesar da timidez de infância, sempre traquejei, com força e inflexão, na área declamatória. Usava isto, como arma, para ser respeitado pelos barbudos colegas e findou virando minha arte.
Só em 1996 publiquei o primeiro livro “Paisagem de Interior” pelas Edições Bagaço. Não esperava que essa minha casinha de duas águas, fosse se destacar no meio das mansões literárias.
A base de tudo isto, é mais ou menos assim: sou quieto e prestador de atenção feito ajudante de missa e com este poder de observação exploro temas descritivos ligados ao substantivo, as coisas simples, indo aos mínimos detalhes, por exemplo: uma tampa de capsilone dum pneu de monareta.
Quanto aos personagens, me apego ao homem desimportante, o modesto, o pequeno. Aquele que, ao contrário do que muita gente pensa, é grande de dar neve na cabeça: o vaqueiro, o lavrador, o feirante, a prostituta… O contraponto disto é o demagogo vivaldino, cabra merecedor dum galho de urtiga no espinhaço.
—Você acha que é difícil fazer humor matuto, falando a linguagem do povo que não tem acesso à escola ou outro veículo de escolaridade?
JQ – Tenho um texto e uma poesia lubrificada com óleo de risada, mas não é, digamos, uma poesia-piada. É, na verdade, um resgate de elementos da nossa nordestinidade e que tem no seu bojo, a alma leve e matreira do povo sem escola; aqueles que têm como instinto de sobrevivência, a agilidade, a astúcia e até muita graça no falar.
Já os causos da boca do povo, usados nos recitais, são, alguns deles, até frutos de acontecenças reais, vividas pelos matutos de mundo afora. De acordo com nossa oralidade vão até ganhando contornos de ficção.
Quanto as personagens que não têm escola, são na realidade Doutores de pé no chão, Ph.D. em vivência e, por sua vez, nem falam uma linguagem errada. Falam uma linguagem diferente; e como tal, deve ser respeitada e até certo ponto discutida em sala de aula, como está acontecendo com os meus versos. Eu diria que o difícil, é fazer isto, com respeito ao matuto e com zelo às tradições. Quando dá certo, é bom, feito comer batata doce, quente, depois dum banho de chuva.
—Qual sua opinião sobre o humor e os humoristas de hoje e os de ontem, como um Chico Anísio, Jô Soares, Costinha, entre outros.
JQ – Acho que o ofício de quem trabalha com as artes, é sempre rever e estudar os Mestres do passado. Portanto, nesta área, temos que renovar, mas sempre buscar como referência, o faro e o traquejo dos humoristas de ontem; alguns ainda de plantão.
Sou um saudosista nato, talvez por isso, considero o humor de ontem mais saudável e até mais inteligente.
Sabemos muito bem o quanto é difícil se renovar um estoque de humor, principalmente na agilidade da TV aberta. Manter essa veia cômica em permanente alta é mais difícil do que achar um filho de rapariga com o nome de Junior. Mas observo, em alguns casos, um excesso de custos de produção e muita repetição em algo que tem até pouca graça. Quanto a profundidade na mensagem de humor, em muitos casos, não bate nos peitos dum peba.
—Você acha que o “matuto” de hoje tem diferença do de ontem, quando não havia a televisão, a internet e outros veículos de comunicação?
JQ – Os valores do homem do campo, hoje, estão contaminados pela modernidade: os néons televisivos ao invés da cadeira na calçada; a moto no lugar do burro e do cavalo; o celular ao invés do moleque de recado… Isto é um ganho do ponto de vista de conforto e laser, mas muito ruim para a nossa cultura. Não que se deseje um matuto em permanente atraso, mas que essa modernidade chegue acompanhada de uma boa educação, que mostre o quanto os valores do campo são legítimos, verdadeiros e que não podem desaparecer. Algo feito alfinete, que vive entre as mulheres, mas nunca perde a cabeça.
—-Qual sua opinião sobre o humor que é levado para as crianças nos programas de televisão?
JQ – Bem dizer, não assisto TV, só vejo nas madrugadas. Por isso não sei desses programas de humor infantil. Mas diria que, boas e velhas recitas, ainda hoje funcionam e deveriam ser sempre exploradas. Exemplo disso são as caçoadas do Chaves e a Escolinha do Golias. Se bem que, a faísca do humor depende muito do protagonista, que no caso desses dois são impagáveis, mas eles já se foram. O Didi Mocó – aquele Didi de outrora – é outro exemplo de boa safra.
—No campo de humor, em sua opinião, o que vem acontecendo de bom no Brasil?
JQ – Grandes talentos têm surgido por aí, mas todos nós perdemos para algumas autoridades políticas. No campo do humor, o bom mesmo acontece no horário político obrigatório e nas sessões da TV Senado. Gosto de ver a autoridade no seu habitat natural: O tampa de Crush que preside a casa de costas pro xerém, batendo papo com os tampinhas da mesa e a parlametaiada véa, alegre feito freguesa em tabuleiro de retalho, às claras gaitadas, trocando cavalo, aumentando o percentual da propina, vendendo bijuteria, pegando ronco, e a bandeirona escrita: Ordem e Progresso.
Outra coisa engraçada é a intimidade no trato com o Santíssimo que as igrejas Pegue-e-Pague exibem no dia a dia televisivo: Liquidação de milagre, tiramento de esprito, e por cima, os testemunhos de uma graça alcançada, da mulher que entrou na igreja e o maridão curou-se da cachaça, da droga, do jogo e da putaria, ela curou-se da frouxidão
dos nervo, sarou a epilepsia, comprou dois carros e ainda botou uma fábrica de confecções no oitão da capitá. Isso é impagável.
—Partindo para o campo cultural em âmbito geral, como você classifica a Paraíba na posição da música, do teatro, cinema, literatura e outras áreas?
JQ – Ótima classificação. Acho que, em termos de produção cultural, a Paraíba anda por cima feito olhar de girafa. Nas artes plásticas, na cultura de raiz, na música – inclusive instrumental – na poesia, no teatro, no cinema, na literatura, e, puxando a branquinha pro nosso lado, faz uma cachaça de altíssima qualidade. Em alguns casos, essa produção cultural é até melhor do que Pernambuco e outros estados. Produz, mas, difunde pouco. É aquela história do ovo da pata e o da galinha. Talvez, o grande mérito do ovo da galinha pernambucana e baiana esteja no có-có-ró-có-có cultural dado pelas universidades, pela imprensa, pelos formadores de opinião e principalmente pelo rádio. Este último desempenha um papel fundamental neste processo. Talvez tenhamos que fazer o mesmo.
—Gostaria que você traçasse um painel do seu trabalho, mostrando seus livros, discos e outros trabalhos.
JQ – Comecei fazendo uma poesia meio moleque de rua, meio banda – voou e hoje tenho até certa responsabilidade com a causa matuta e nordestina. Nestes onze anos, já foram sete livros publicados: quatro de poesia, dois infantis e um de folclore político popular. O registro de canções autorais e poemas em CD, foi a partir de 2001 e hoje já são quatro CDs lançados.
Numa nova vertente artística, encarnando o personagem Euclydes Villar, fiz parte do elenco da microssérie “A Pedra do Reino” do dramaturgo Ariano Suassuna, que foi veiculada em junho pela Rede Globo de Televisão. O grande diferencial: Um elenco genuinamente nordestino e Mestres e produção, de altura e robustura, mais jequitibá do território nacioná. Foi tarefa comprida feito rabo de pavoa, mas, remédio de grande valimento. Volto aos palcos com esse aprendizado.
—Fale também sobre seus projetos para os próximos dias.
JQ – Não temos ainda previsão de um novo livro. O processo de produção livresca se dá lentamente, com idas e vindas e com muito cuidado como quem carrega roupa engomada. É uma coisa natural feito jorro de bica.
Quanto à produção discográfica – com o registro em CD de poemas já publicados – pode ser mais ágil. Percebo que a força declamatória valoriza muito os poemas, mas, infelizmente não podemos registrar todo o livro em áudio e temos muito material de livros anteriores. Estamos, agora, selecionando algumas histórias já publicadas para um novo pires de CD. Foi assim que se deu com os discos Paisagem de Interior 1 e 2. Quanto aos espetáculos, como temos muito material, mantemos os “clássicos” quase que obrigatórios, e o recital é renovado ao sabor da platéia e a qualquer momento.
—Quer saber de uma coisa. Fique livre como um passarinho para voar em qualquer linha que ilumine seu pensamento. O espaço é seu.
JQ – Aos poucos pouquinhos, o poeta vai ganhando força. Há um reconhecimento muito grande por parte do público e o mais importante neste processo todo, é que minha poesia está sendo trabalhada em sala de aula.
Há uma espécie de unanimidade no gostar. Da criança que congela na minha frente ao adulto que ri e se emociona. Alguns, mais intelectualizados fazem conceituações filosóficas, outros sentem com profundidade a essência da poesia, outros vêem graça e sarcasmo. Em determinado momento essa poesia vira um produto e como tal, uns podem gostar e outros não. No meu caso tem sido como chocolate, tem mais gente que gosta.
Tenho recebido almofadas de penas de sobrecu de pavão do leitor, palavras gasosas de críticos e estudiosos e o reconhecimento e carinho daqueles que são o elemento básico da minha poesia: o povo simples. É bem dizer, uma carta de recomendação assinada por São Francisco!!!”