JESSIER, EM VOZ ALTA

Alberto da Cunha Melo

 

Há poemas que, como diria João Cabral, pedem para ser ditos “em voz alta”. Toda Poesia de Jessier Quirino  é assim, não se contenta com leitura silenciosa e transborda numa oralidade compulsória. À medida que lia “Agruras da Lata D’água”, na salinha do Museu da Imagem e do Som, onde trabalho, fui sentindo vontade de que outros ouvissem o que lia, de compartilhar a leitura com os colegas de trabalho , e terminei lendo em voz alta para dois deles alguns fragmentos dos poemas que considerei mais  criativos. É uma poesia que, por sua própria natureza, quer se mostrar, que pede palco e público numeroso. Nisso, a sua consanguinidade com a produção ancestral dos violeiros repentistas do Nordeste.

A maior parte da chamada poesia erudita, poesia de livro, da modernidade, parece ser feita para ser lida em recolhimento, pedir reflexão e silêncio, como um sussurro do espírito. Mas, depois que o poeta Bruno Tolentino leu alguns de meus poemas em verso branco, dando-lhe um tom ao mesmo tempo coloquial e solene, cheguei à conclusão de que essa poesia em vez de baixa, que deseja ser sussurrada, também pode ser dita em voz alta, mas requer, para isso, uma oralidade específica, longe da teatralidade patética da Rede Globo quando, por alguma falha técnica, cisma em divulgar um poema.

A poesia de Jessier requer a oralidade de um discurso cadenciado, mais violeiro e, por isso, mais agressivo e ousado, pois ele usa e abusa, inclusive, de neologismos, como neste fragmento de ‘Sóbrio”:

“Se Vaga-lumas na noite,

Eu me vaga-lumarei,

Se beberes rum-com-coca,

Eu também rum-cocarei,

E se tu café-com-leitas,

Eu café-conleitarei”.

Há na poesia de Jessier uma opção clara pelo humorismo, coisa rara na   poesia moderna, pois o poema-piada dos modernistas de 22 quase não teve seguidores. No entanto, os violeiros repentistas, que nada têm a ver com aqueles poetas ricos que riem à toa, nunca abandonaram o humor, principalmente nas pelejas, onde as duplas fingem estar brigando.  Jessier tem mais esse parentesco com os nossos simônides nordestinos. A quase totalidade da poesia erudita moderna é sisuda demais, e mais triste do que a maioria do nosso povo.

Não sei se porque já prevendo uma profunda transformação no mundo rural, em virtude da força homogeneizadora dos meios de comunicação  e das novas tecnologias, Jessier Quirino, desde seu primeiro livro, vem  fazendo uma espécie de etnografia poética dos valores, hábitos, utensílios e linguagem do agreste e do sertão nordestinos. É um levantamento feito com muita minúcia, fruto de sua extraordinária capacidade de observação, de observador participante. Sua obra, não tenho dúvidas, além de seu valor estético cada dia mais comprovado, vai futuramente servir como documento e testemunho de um mundo já então engolido pela voragem tecnológica.

O pouco que não me agrada em seu trabalho – a grafia “matuta” – fica por conta das idiossincrasias necessárias para que haja pluralidade de tendências de expressão, sem as quais seriamos, os poetas, aborrecidamente parecidos uns com os outros. Afinal, a arte pode ser comunista, mas nem tanto.