Jessier, o retorno
Ricardo Anísio
Quem perdeu as duas apresentações do poeta-compositor Jessier Quirino no Teatro Santa Roza, deve sossegar um pouco. Este gênio que é responsável pelo redimensionamento da poesia popular (Oliveira de Panelas é outro que contribuiu muito) no sentido de resgatá-la dos guetos e projetá-la aos espaços nobres, vai dar-lhes nova chance. Ele volta com o show “Bandeira Nordestina” (título do seu novo livro, com CD encartado) dia 13 de julho, no Teatro Ariano Suassuna (do colégio Marista Pio X), em Tambiá. É bom lembrar que é uma apresentação para apenas 300 privilegiados, o que permite a capacidade da casa de espetáculos.
“Bandeira Nordestina”, livro e CD, chegaram com uma missão das mais improváveis que era bater – ou manter – a popularidade e o nível poético de “Prosa Morena”, seu antecessor. A tarefa de Jessier não era menos árdua. Mas o poeta & contador de causos superou-se em lirismo e na pior hipótese igualou-se a si próprio no Olimpo inimaginável da estirpe poética de Zé da Luz e seus discípulos.
Não sejamos tolos de achar que clássicos como “Agruras da Lata D’Água”, “Parafuso de Cabo de Serrote” e “Vou me Embora Pro Passado” (imolada aqui a Pasárgada, de Manuel Bandeira) vão ser encostadas. Nos dois shows que tive o privilégio de assistir, tanto em João Pessoa quanto em Recife, o público aplaudiu freneticamente as novas obras sem negar-se aos afagos proporcionados pelos ritos anteriores da poética jessierquiriniana.
Contudo, resistir ao feitio de oração (salve! Noel Rosa) de “Umbuzeiro Sagrado” e às metáforas líricas de “Linda Não, Aquelas Tuia” seria uma tortura espartana. Quando Jessier fala da beleza de uma moçoila morredoura em seu sonho, cria uma mãe vigilante que avisa: “Tu podes morrer pisada pelos coturnos do orvalho”. Isso mesmo, ao poeta do tudo-nada cabe, como canta-escreve o Gilberto Gil da melhor safra, em “Metáfora”.
Metaforicamente falando diríamos que Jessier Quirino é o próprio ‘Umbuzeiro Sagrado’ e o ‘Dizido das Horas do Sertão’: “A raiz do umbuzeiro, é bem dizer, uma nuvem amojada de inverno”. Percebem? Somente um homem-tronco de resistência incontestável sai dos cálculos numéricos da arquitetura para se transformar no Homero da prosa e da poesia popular de seu País.
Conciliar sua atividade de arquiteto com a poeticidade luminosa é andar na corda-bamba. Localizar Jessier Quirino (o autor e o declamador) em um território épico que o conjure simplesmente na Paraíba, e no Nordeste, é o mesmo que achar que poeira cósmica é farofa de arroz. O Brasil curva-se em reverência, justiçando a decência estética do poeta e sua inspiração abençoada.
Vejamos esses versos que podem parecer excessivamente singelos sem sê-los: “Nem carne de Tamarindo/ nem cajá, nem serigüela/ Salivava os meus beiços/ que a cor dos beicinhos dela”. Bucólicos talvez, porém enluarados como o terreiro no qual ele acampou para travar sua luta contra a crucificação da literatura popular. Coisas de gênio, de artistas ticados pelo sagrado.
Fazendo-nos passar da gargalhada ao choro emocionado com uma velocidade espantosa ele move-se contra o limbo. À Jessier devemos tantas louvações que talvez nunca saudemos nossa dívida de gratidão com ele. No caso específico do colunista aqui, me causa um conflituoso exercício, ter de conviver com o ídolo-amigo. Ao amigo eu dedico as lágrimas de orgulho. Ao artista eu só posso oferecer o fazer calos de tanto aplaudir.
Sou um cara de sorte, afinal, não é todo mundo que pode ser fã e desfrutar do companheirismo em uma única bandeira poética. Estaremos lá, dia 13 de julho. Chorando e sorrindo. É assim a saga de quem ainda se sensibiliza com a poesia, com arte grandiosa em geral.